sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Nossos pecados da capital


17-09-09) – O motorista olhou para um lado, nada; só Ipês carregados de flores amarelas. Olhou para o outro, vazio; apenas um cachorro penteando, com a língua, os pelos de outro de sua espécie. Olhou para cima, ninguém na varanda dos prédios, só uma Lua grávida e estrelas que podem ter morrido há milhares de anos. Sem testemunhas humanas, arremessou pela janela do carro o que sobrou do lanche indigesto comprado no drive-thru da esquina. O primeiro a tocar o chão num estouro seco de tiro foi o copo de refrigerante; entretanto, acredita-se que a responsável por desencadear a avalanche que dizimou toda a cidade foi a vibração do guardanapo antes de tocar o asfalto.Pareceria Mont Blanc se, em vez lixo, fosse neve. Uma massa cinzenta e fétida feita de restos de toda a cidade rolou carregando árvores, pessoas, suas construções e história. Levou a menina bonita da casa 19 que sonhava em ser a mais bonita. Levou o rapaz do segundo andar que sonhava em impressionar os amigos namorando a menina da casa de 19. Levou o bêbado, o casal que dormia juntinho, o sonâmbulo que roubava a geladeira. O menino no berço, o terço, o futebol no canal cinco.O fato é verídico, apenas ainda não aconteceu. E sempre me vem à mente quando vejo um motorista arremessando lixo pela janela do carro. Sei que é uma cena profética, mas não inédita; a cada chuva um pouco mais forte, ela revela seu potencial de realização. Mais difícil de compreender é por que ainda não nos demos conta de que evitá-la ou apressá-la está em nossas mãos.Teoria da poluiçãoPara não ser ranzinza, prefiro acreditar que a atitude é típica de quem ainda não se deu conta de que o espaço público não só nos pertence como pagamos muito caro por ele. Inconsciência de quem fica indignado com os políticos que usam o dinheiro público para fins pessoais, mas acaba usando seus fins pessoais para acabar com o espaço público.O gesto é, antes, uma autossabotagem, como colar chiclete embaixo da mesa da cozinha ou jogar lixo no próprio quintal, crente de que um elemento mágico (a mãe?) fará a sujeira desaparecer.Mas dói ver nosso espaço vandalizado por alguém que, muitas vezes, posa de majestade em um carrão. Dá vergonha de ver árvores centenárias, sábias, muitas nossas avós e bisavós, assistindo a essa degradação.Uma interessante teoria diz que o lixo do planeta é proporcional ao nosso lixo interior (leia-se: pensamentos, sentimentos, emoções). Tudo que está fora é um reflexo do que está dentro de nós. Faz todo o sentindo. O negócio, então, é arregaçar as mangas e começar uma boa faxina nos cômodos de nossos corpos, físico, mental, emocional etc. Limpar tantas camadas quanto nossa água sanitária for capaz de alcançar. Quem sabe aí teremos uma chance.PS.: Quando as árvores ficam estressadas florescem mais vezes. Nós, nos autodestruímos. PS1.: se você fuma no carro e não quer mais deixar sua bituca poluindo o ambiente por até cinco anos, um novo produto produzido a partir da matéria básica para fabricação de embalagens PET, o “Bota-Bituca”, pode ser uma solução. PS2.: se você é do tipo que acha esses argumentos em prol da sua vida e da vida no planeta uma grande bobagem, pense, então, no seu bolso. Segundo artigo do 172 Código Brasileiro de Trânsito, atirar do veículo ou abandonar na via objetos ou substâncias rende ao condutor uma infração média. Uma? Média? Que lixo.


Texto: Mirna Bom Sucesso
Fotos: Renato Takahashi/divulgação

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